Zika associado a deformidades nas articulações de bebê sem microcefalia, revela estudo

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 10/08/2016 às 0:43
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Imagem de homem segurando bebê com microcefalia (Foto: Edmar Melo / JC Imagem) Estudo publicado no BMJ registra caso de um bebê sem microcefalia, mas com deformidades nas articulações (uma condição chamada de artrogripose) associadas ao vírus da zika (Foto: Edmar Melo/Acervo JC Imagem)

Um estudo coordenado pela neuropediatra Vanessa van der Linden e pelo ortopedista Epitacio Leite Rolim Filho, ambos da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) do Recife, registra um caso de um bebê sem microcefalia, mas com deformidades nas articulações (condição conhecida por artrogripose) associadas ao vírus da zika. O relato foi publicado, na noite desta terça-feira (8), pela revista científica British Medical Journal (BMJ). A pesquisa, que conta com a colaboração de pesquisadores de outras 10 instituições da capital pernambucana, também detalha a condição de outros seis bebês com microcefalia e artrogripose.

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"O resultado da ressonância da criança que nasceu com perímetro cefálico normal (sem microcefalia) não é ruim. É um paciente, inclusive, que tem uma interação visual boa. O que ainda inquieta é entender por que alguns pacientes (com infecção presumida pelo vírus zika) têm artrogripose e outros não", disse Vanessa, durante evento realizado, na terça-feira (8), na sede da Fiocruz Pernambuco para anunciar o lançamento da chamada do programa Newton Fund Institucional Links Virus Zika, que selecionará propostas que promovam a troca de conhecimentos científicos e acadêmicos entre pesquisadores brasileiros e britânicos sobre o zika vírus.

A neuropediatra frisa que, até então, já se percebeu que a artrogripose não tem necessariamente uma correlação com a severidade (do ponto de vista neurológico) da microcefalia. Ou seja, o fato de um bebê nascer com a malformação em grau muito severo não seria necessariamente um risco para deformidades nas articulações. "Nesse estudo, por exemplo, vimos que o paciente (com lesões no cérebro sugestivas de infecção congênita) mais leve tem artrogripose."

"O que ainda inquieta é entender por que alguns pacientes têm artrogripose e outros não", disse Vanessa van der Linden (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem) "O que ainda inquieta é entender por que alguns pacientes têm artrogripose e outros não", disse Vanessa van der Linden (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Além desse bebê sem microcefalia, outros dois apresentaram resultados de exames relacionados ao vírus zika por detecção laboratorial (até a submissão do estudo, apenas dois tinham zika positivo; depois, veio o resultado com a confirmação do vírus no exame de mais um bebê). Os exames de zika de outros quatro bebês estão em investigação.

Os sete pacientes apresentaram imagens do cérebro com lesões sugestivas de infecção congênita. Além disso, todos apresentaram resultado negativo para outras cinco causas infecciosas de microcefalia, como toxoplasmose, citomegalovírus, rubéola, sífilis e HIV.

O estudo mostrou que a artrogripose está presente nos braços e pernas de seis crianças (86%) e nas pernas de uma criança (14%). "Fizemos avaliação para entender a causa da artrogripose, condição em que há mais de uma junta acometida em, pelo menos, dois segmentos corporais diferentes: joelho e mão, por exemplo", informa Vanessa.

A neuropediatra verificou ainda, ao estudar detalhadamente os sete bebês, um comprometimento do neurônio que sai da medula para formar o nervo. "Por causa disso, existem algumas áreas que ficam fracas; o feto diminui os movimentos intraútero. Ele fica em postura fixa e nasce com deformidade. É um comprometimento do neurônio motor que está na medula. Ou seja, alguns pacientes com síndrome congênita do zika, além de terem comprometimento cerebral, apresentam comprometimento na medula."

"Entre as sete crianças com artrogripose (e infecção presumida pelo vírus zika), cinco apresentam lesões oculares", diz a oftalmopediatra Liana Ventura (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem) "Entre as sete crianças com artrogripose (e infecção presumida pelo vírus zika), cinco apresentam lesões oculares", diz a oftalmopediatra Liana Ventura (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

Até o mês em que a pesquisa foi submetida para a publicação, em março deste ano, 104 bebês com suspeita de síndrome congênita do zika já estavam em acompanhamento pela AACD Recife. Entre eles, os sete do estudo apresentavam artrogripose, o que corresponde a 7% do universo atendido pela instituição. Atualmente, a AACD atende 200 crianças (95 delas com exames relacionados ao vírus zika por detecção laboratorial). Dessas, 14 têm deformidades nas articulações.

Outro detalhe importante apresentado pelo estudo é que cinco, entre as sete crianças com artrogripose e infecção presumida pelo vírus zika, apresentam lesões oculares - cerca de 71,4% da amostra estudada. "São lesões graves que acometem as áreas mais nobres do olho: a mácula e o nervo óptico. Essas lesões anatômicas repercutem negativamente na qualidade da visão das crianças e trazem, somadas à deficiência intelectual e física (esta última imposta pela artrogripose), deficiência visual importante", finaliza a oftalmopediatra Liana Ventura, presidente da Fundação Altino Ventura (FAV), uma das instituições que participaram do estudo.