Rivotril: uma mania perigosa

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 13/06/2016 às 17:17
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Foto: Guilherme Castro / NE10 Medicamentos que têm clonazepam como principal ativo, a exemplo de Rivotril, movimentaram R$ 232 milhões entre 2015 e 2016, crescimento de 12% em relação ao ano anterior. Uso indiscriminado do medicamento preocupa especialistas (Foto: Guilherme Castro / NE10)

Malu Silveira

Com colaboração de Emilayne Santos

Parte de um grupo de medicamentos conhecidos como benzodiazepínicos, o Rivotril já é velho conhecido daqueles que precisam passar por tratamentos contra transtornos de ansiedade. Segundo dados do IMS Health Brasil, empresa que audita as transações da indústria farmacêutica no mundo, remédios que, assim como o Rivotril, têm como molécula principal o clonazepam movimentaram R$ 232 milhões entre maio de 2015 e abril deste ano, o que representa um crescimento de 12% com relação ao mesmo período do ano anterior. Já em volume de vendas, houve um aumento de 5% na comercialização da substância, atingindo a marca de 24,3 milhões de unidades vendidas. Os números acendem um sinal de alerta: será que estamos vivendo um período de uso indiscriminado de um remédio que só pode ser utilizado mediante prescrição médica e acompanhamento de um especialista?

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O aposentado Sérgio Moura, 72 anos, toma a medicação para combater a insônia. "Fiquei viúvo há nove anos e sinto muita saudade da minha esposa. Tenho muita insônia e, por esse motivo, parentes e amigos me indicaram o clonazepam para estimular o sono", conta. O remédio, segundo afirmou à reportagem, é comprado sem prescrição com a ajuda de um conhecido farmacêutico. Já a vendedora E.S.*, 39, tomou a medicação controlada durante três anos e, mesmo com o fim do tratamento, decidiu continuar usando clonazepam. "Eu sofro muito com crises de ansiedade e estresse excessivo. Não abro mão do equilíbrio que o remédio traz. Só não tenho tempo para voltar a ter acompanhamento médico", defende. Quando questionada como consegue o medicamento, a entrevistada afirmou que retira as unidades com a ajuda de uma amiga que trabalha em um posto de saúde no município de Paulista, no Grande Recife.

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Casos como esses, infelizmente, não são situações isoladas. Dentro de casa, no ambiente profissional, entre conhecidos, é comum encontrar alguém que consiga o clonazepam sem ter um diagnóstico que justifique o uso do medicamento. É fácil adquirir uma caixa da medicação, basta ter alguém no seu convívio que use a medicação ou saiba o caminho.

Segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento, o clonazepam é prescrito para tratar, principalmente, dois distúrbios específicos: transtorno do pânico e transtorno de ansiedade generalizada. "Enquanto o transtorno do pânico se caracteriza por crises de ansiedade agudas com medo intenso e sensação de perda de controle, o transtorno de ansiedade generalizada ocorre quando o paciente maximiza as preocupações, passando a causar sofrimento no dia a dia. O remédio é muito eficaz no tratamento desses transtornos, aliviando consideravelmente os sintomas desses distúrbios, considerados extremamente incapacitantes", explica o médico.

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Vale ressaltar também que o remédio não é utilizado para tratar casos de depressão. O seu uso, no entanto, pode ser prescrito combinado com medicações antidepressivas para aliviar quadros de ansiedade desenvolvidos em diagnósticos de depressão. "Em casos de depressão, o clonazepam sempre vai ser associado a um antidepressivo. A não ser em casos de depressão que há um forte princípio de ansiedade", ressalta.

O especialista destaca que o uso do medicamento deve ser extremamente consciente, uma vez que essa classe terapêutica causa dependência. "Quando o paciente usa o remédio, é como se o organismo diminuísse a produção de algumas substâncias. Deixar de usá-lo abruptamente é perigoso, uma vez que não há estoque suficiente dessas substâncias. Por isso, o tratamento tem que ser concluído lentamente, senão pode causar o que chamamos de síndrome da abstinência. É muito comum acontecer, por exemplo, do paciente usar o rivotril apropriadamente e não voltar mais ao psiquiatra, deixando de fazer o planejamento correto da retirada do remédio", pontua.

Ainda segundo o psiquiatra, o uso banalizado desse tipo de medicação pode causar efeitos colaterais que prejudicam nossa saúde a longo prazo. "O clonazepam pode desencadear diversos efeitos colaterais, como retardamento dos processos mentais. Se não houver um quadro de ansiedade, por exemplo, causará dificuldade de concentração e memorização de informações importantes. Outro fator é a interação do remédio com o álcool, que dobra o efeito da bebida e pode, eventualmente, colocar outras pessoas em risco", alerta o médico.

A recomendação é sempre consultar um especialista capacitado ao notar algum sintoma diferente no dia a dia e nunca recorrer à automedicação. "Sempre há os dois lados da moeda. Existe a hipermedicalização do rivotril mas também a necessidade de muitas pessoas, que realmente precisam utilizar essa medicação para tratar algumas doenças. Há um certo preconceito por falta de entendimento desses transtornos. Por isso, é preciso avaliar caso a caso. Algumas dessas doenças, inclusive, podem ser tratadas apenas com psicoterapia", comenta.

Terapia

Traumas após situações extremas, como morte de pessoas próximas ou rompimentos de relações, estresse do cotidiano causado pela pressão no ambiente de trabalho ou insônia desencadeada pela ansiedade gerada com os problemas cotidianos. Inúmeros são os fatores que levam as pessoas a buscar a sensação de tranquilidade e bem-estar proporcionada pelos benzodiazepínicos. Mas é necessário entender que algumas situações (a grande maioria) não precisam do auxílio de medicamentos que interferem no funcionamento do nosso organismo.

"O ser humano não vive sem sofrimento psíquico. Quando falamos de saúde mental, temos que fazer uma análise clínica e procurar saber se o sofrimento da pessoa é normal ou patológico. Dessa forma podemos tratar o paciente na psicoterapia e dar a estabilidade emocional que ele precisa. Quando observamos que o sofrimento já está apontando para sintomas de determinados transtornos, encaminhamos para o psiquiatra. É comum, no entanto, vermos muitos pacientes recorrendo ao uso desenfreado de ansiolíticos, ficando dependentes sob qualquer circunstância e incapacitados para gerenciar suas emoções", explica Catarina Petribú, psicóloga clínica e psicoterapeuta cognitivo-comportamental.

Na psicoterapia, o principal objetivo é fazer com que o paciente consiga lidar com suas emoções. "As pessoas, em geral, estão desaprendendo a lidar com suas emoções diante de qualquer situação difícil do dia a dia. Na terapia, analisamos o que rege o psiquismo da pessoa e quais são suas primeiras crenças, geradas ainda na infância, que regem o mecanismo de pensamento do adulto. A partir daí, vamos quebrando essas crenças e ensinando o paciente a lidar com crenças distorcidas, mostrando que sempre existe uma forma de lidar com o problema que ele está enfrentando", pontua.

* O nome verdadeiro da entrevistada não foi divulgado para preservar sua privacidade