Estudo da Rede Zika comprova relação causal entre vírus e microcefalia

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 12/05/2016 às 15:44
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Imagem de mulher segurando bebê com microcefalia (Foto: Diego Nigro / JC Imagem) Estudo confirma que o zika vírus, doença transmitida pelo Aedes aegpyti, está relacionado ao surto de microcefalia registrado no Brasil em 2015 (Foto: Diego Nigro / JC Imagem)

Da Agência Fapesp de notícias

Um estudo conduzido no âmbito da Rede Zika, apoiada pela FAPESP, e divulgado nessa quarta-feira (11) na revista Nature apresentou a evidência definitiva de que a infecção pelo vírus Zika (ZIKV) durante a gestação pode causar má-formação cerebral congênita, confirmando que a doença está relacionada ao surto de microcefalia registrado no Brasil em 2015.

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Por meio de experimentos com camundongos, o grupo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que o ZIKV é capaz de atravessar a barreira placentária, infectar e matar as células que dariam origem ao cérebro dos animais em gestação.

Dados de testes in vitro sugerem ainda que a linhagem brasileira do vírus é mais agressiva do que a linhagem africana, que originalmente infectava macacos. Isso corrobora a teoria de que, nos últimos anos, o ZIKV teria sofrido mutações que o tornaram mais eficiente para infectar humanos (leia mais em https://agencia.fapesp.br/22345).

“Não há mais dúvidas de que o vírus Zika é neurotóxico e pode causar microcefalia. A lesão que encontramos nos cérebros dos filhotes, caracterizada principalmente pela redução da espessura do córtex [camada mais externa e sofisticada do cérebro dos vertebrados], é muito característica e também foi vista nos bebês humanos. Além disso, encontramos o vírus se replicando no cérebro dos camundongos recém-nascidos em quantidades muito maiores do que em outros órgãos”, comentou Jean Pierre Peron, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e um dos autores do artigo.

Parte das conclusões está baseada em experimentos feitos com camundongos da linhagem SJL que, segundo Peron, mostraram-se bom modelo para o estudo da doença. As fêmeas foram infectadas entre o 10º e o 12º dia de gestação com uma linhagem viral isolada de um bebê nascido com microcefalia na Paraíba, em 2015.

Imediatamente após o parto, foi possível notar uma redução no crescimento global dos filhotes expostos ao ZIKV. Enquanto o peso médio ao nascer das crias de fêmeas controle (não infectadas) era 3,4 gramas, a média dos filhotes infectados era 1,4 grama. Medidas do crânio – comprimento e altura – apresentaram diminuição de pelo menos um terço no grupo exposto ao ZIKV.

Análises do tecido cerebral feitas ao microscópio mostraram redução da camada cortical, bem como alteração no número e na morfologia das células dessa região, como explicou Patricia Beltrão-Braga, pesquisadora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.

“As análises histológicas revelaram um fenótipo celular atípico, principalmente no córtex, mas também no hipotálamo e no tálamo. As células apresentaram o que chamamos de núcleo vacuolado, ou seja, a cromatina estava toda espremida em um canto do núcleo, que à primeira vista parecia estar vazio”, contou Beltrão-Braga.

Segundo os pesquisadores, esse fenótipo costuma ser observado durante processos que levam à morte celular. De fato, análises de expressão gênica feitas posteriormente revelaram que, nos filhotes expostos ao ZIKV, genes associados a processos de apoptose (morte celular programada) e autofagia (no qual a célula degrada e reabsorve suas estruturas internas) estavam superexpressos em comparação ao grupo controle.

Para complementar os ensaios in vivo, foram realizados nos diversos tecidos dos camundongos recém-nascidos testes moleculares do tipo de PCR (reação em cadeia da polimerase) em tempo real, capazes de detectar o RNA viral durante a fase aguda da infecção.

“Encontramos o vírus se replicando no baço, no fígado e no rim, mas em quantidades muito menores do que as observadas no cérebro”, disse Peron.

“O conjunto de resultados mostra que o vírus tem enorme preferência pelas células do sistema nervoso. Não apenas detectamos no cérebro maior quantidade de RNA viral como também os principais efeitos da infecção”, acrescentou Beltrão-Braga.

Curiosamente, os mesmos achados não foram observados nos primeiros testes feitos na USP com camundongos da linhagem C57BL/6, os mais usados em laboratórios.

“Essa linhagem tem, sabidamente, uma resposta imunológica mais robusta, com maior produção de citocinas do tipo interferon alfa e beta. Acreditamos que isso tenha possibilitado aos animais eliminar o vírus do organismo de forma mais eficaz, impedindo sua passagem pela barreira placentária. Testamos com diferentes doses do vírus e diferentes datas de infecção e, em nenhum caso, os filhotes nasceram com qualquer tipo de má-formação”, contou Peron.

Para o pesquisador, esse fato evidencia a influência da genética materna na extensão do dano causado pelo vírus ao feto. “Assim como ocorre com camundongos, certamente deve haver mães humanas mais suscetíveis ao vírus e outras mais resistentes. Os mecanismos envolvidos ainda precisam ser estudados”, ponderou.

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