Coletor menstrual: testamos o produto que promete substituir os absorventes

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 15/04/2016 às 10:06
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Imagem do coletor menstrual (Foto: Divulgação / InCiclo) Produto reutilizável, com formato semelhante a uma taça e feito de silicone cirúrgico, coleta o fluxo sanguíneo da menstruação e dura por anos (Foto: Divulgação / InCiclo)

Malu Silveira

Do Casa Saudável

Que falar de higiene íntima é um tabu, isso todo mundo sabe. Agora falar de menstruação já é um degrau acima. Parece que é pecado falar do nosso ciclo menstrual e os perrengues que todo mulher passa durante alguns (muitos) dias do mês. Se admitir que recorremos aos absorventes, sejam eles internos ou externos, é quase vergonhoso, imagina deixar escapar que usamos o tão falado coletor menstrual? O produto, com formato semelhante a uma taça e feito de silicone cirúrgico, coleta o fluxo sanguíneo da menstruação e permite que nós descartemos o sangue durante o ciclo, reutilizando o objeto, conhecido também como 'copinho'.

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A fim de tentar entender esse produto no mínimo interessante, eu, Malu Silveira, repórter do Casa Saudável / NE10, resolvi testar o coletor menstrual. Usei o copinho da InCiclo que, nas minhas pesquisas, consta como a única marca brasileira atualmente no mercado. Há inúmeros outros coletores, a maioria dos Estados Unidos, com tamanhos (mulheres que já tiveram filhos, por exemplo, devem usar um tamanho especial) e cores diferentes. É quase impossível comprá-los em pontos físicos. Tanto os produtos da InCiclo como os de outras marcas, é preciso fazer o pedido pela internet ou entrar em contato com revendedoras espalhadas pelo País. No Recife, a fanpage Copinho de Lua não só divulga e revende produtos da marca como também trata de temas variados relacionados à saúde da mulher.

Imagem da diferença de um coletor menstrual e de um absorvente interno no corpo da mulher (Ilustração: Guilherme Castro / NE10) Enquanto o absorvente interno é inserido de forma a ficar bem perto da entrada do colo do útero, o coletor fica apenas na entrada do canal vaginal (Ilustração: Guilherme Castro / NE10)

À primeira vista, pareceu impossível, pelo menos para mim, colocar o coletor menstrual. Para introduzi-lo na vagina, primeiro você precisa estar bem relaxada, numa posição confortável. Pode ser em pé, agachada ou sentada no vaso sanitário. Só não tente deitada. Como é feito de silicone, o copinho é bem flexível e a gente só precisa escolher a melhor dobra para colocá-lo totalmente dentro da vagina. O coletor deve ser inserido na direção do ânus e precisa abrir completamente uma vez colocado na vagina, para poder criar uma espécie de "vácuo" e impedir vazamentos.

O meu maior medo era não conseguir retirá-lo, já que os absorventes internos têm aquele cordão de segurança para puxar que facilita bastante na hora de tirar. No entanto, todos os coletores têm uma espécie de haste flexível que fica com uma pontinha para fora da vagina. No caso do InCiclo, a haste é muito dura, o que termina incomodando bastante conforme nos movimentamos. Nesses casos, a dica do próprio fabricante é cortá-la bem no local onde ela é ligada ao copinho. É nessa hora que a gente precisa praticar o desapego.

Imagem com dobras possíveis para o coletor menstrual (Ilustração: Guilherme Castro / NE10)

Imagem com dobras possíveis para o coletor menstrual (Ilustração: Guilherme Castro / NE10)

Imagem com dobras possíveis para o coletor menstrual (Ilustração: Guilherme Castro / NE10) Para inserir corretamente o coletor na vagina, a mulher deve escolher a melhor forma de colocá-lo. Usuárias criaram diversas "dobras" possíveis. Acima, as dobras mais conhecidas (Ilustração: Guilherme Castro / NE10)

Para minha surpresa, retirá-lo foi muito mais fácil. É só sentar no vaso sanitário, fazer força com a musculatura vaginal e puxar o coletor pela base, apertando-a levemente. Na maioria das vezes, o sangue quase não transborda, desfazendo a ideia de que o copinho é muito pequeno para segurar o fluxo. Até nos piores dias, acredite.

Enquanto ainda estiver no ciclo, você só precisa lavá-lo com água e sabão neutro e inserí-lo novamente. Agora de um ciclo para o outro é necessário higienizá-lo. O processo é simples, basta ferver o copinho por cerca de 5 minutos em uma panela de ágata. Atenção para a ressalva! Jamais use recipientes de alumínio ou teflon, pois esses produtos soltam substâncias metálicas que podem danificar o silicone.

Confesso que ainda tenho alguma dificuldade com o coletor. Para mim ainda é uma saga lidar com o novo produto. Algumas vezes ainda vaza um pouco de sangue e, por isso, uso um absorvente diário enquanto ainda não me sinto 100% segura. Mas, uma vez que você se liberta, é como se nem estivesse menstruada. Por diversos momentos, esqueço completamente que estou com o copinho. Às vezes até entro em pânico quando lembro que ele já está lá por algumas horas e eu simplesmente nem notei a presença dele.

Órgãos oficiais

Que o coletor menstrual é muito útil, além de contribuir para um mundo mais sustentável já que deixamos de usar dezenas de absorventes por ano, é impossível negar. Acredito realmente que o produto veio para inovar no mercado e substituir de vez as mercadorias que recorremos atualmente. Mas, como qualquer outro produto que pode interferir diretamente na saúde da mulher, é necessário a regulamentação e posicionamento oficial de órgãos oficiais competentes no assunto.

Por isso, entrei em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e questionei se o produto já tem aprovação do órgão para ser comercializado no Brasil. A agência por sua vez informou, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, "que ainda não há legislação sanitária no País para os coletores menstruais, mas que está trabalhando numa proposta de inclusão do produto no escopo regulamentar da Agência. Todas as características dos copinhos estão sendo avaliadas para definir seu enquadramento e requisitos mínimos". Os critérios, segundo a Anvisa, quando publicados, serão válidos tanto para os produtos nacionais quanto para os produtos importados. Ainda não há prazo estabelecido para publicação ou vigência da norma.

Já a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) afirmou, também por meio de assessoria de imprensa, que prefere não se pronunciar sobre o tema. Isso porque "os membros da nova diretoria da federação estão criando comissões com médicos que possam falar sobre assuntos específicos da ginecologia e obstetrícia. Todos os especialistas consultados não se sentem à vontade para opinar em nome da Febrasgo sobre os coletores menstruais. Eles acreditam que é necessário mais pesquisas científica que possam embasar uma opinião da eficácia (ou não) dos coletores".

Também consultei duas ginecologistas pernambucanas que poderiam nos ajudar a elucidar as principais dúvidas sobre o coletor. Ambas tiveram o mesmo posicionamento da Febrasgo. A ginecologista Izabel Christina Carneiro inclusive afirmou que: "Nunca vi o coletor menstrual ser abordado em nenhum congresso de medicina ou evento científico. Só indico produtos que tenham trabalhos científicos que possam nos dar alguma respaldo. Por isso não posso nem dizer se é eficaz ou não".

Estranhando esse total receio e/ou desconhecimento de especialistas sobre o coletor menstrual, que parece vir conquistando cada vez mais usuárias brasileiras, entrei em contato com a fabricante da InCiclo e informei o posicionamento dos dois órgãos oficiais procurados para falar sobre o assunto. A resposta que recebi é que "O InCiclo recebeu liberação da Anvisa. De acordo com resoluções internas da Agência, o Departamento de Gerência de Tecnologia de Materiais de Uso em Saúde deferiu a liberação por não considerar o Inciclo um produto para saúde, já que o silicone é um material inerte, diferente do algodão, não funciona como um meio de cultura para bactérias. Assim, não tem classificação nesse órgão, por enquanto. Quando inserirem os coletores no escopo da Anvisa, certamente faremos o processo". Já no que diz respeito à opinião da Febrasgo, o fabricante informou que "A Febrasgo está em contato conosco para desenvolver pesquisas no Brasil que comprovem a segurança no uso do Inciclo. Por agora é possível achar artigos em inglês na biblioteca Cochrane que é pioneira em pesquisas ligadas à área da saúde".

Já a obstetra Leila Katz, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), defende o coletor e acredita que o produto veio para substituir de vez os absorventes. "Eu não só indico o coletor para minhas pacientes, como também uso. Realmente, até agora não existem grandes estudos sobre o produto, mas as publicações que existem já mostram a segurança do coletor", explica.

Para a especialista, os benefícios do copinho são inúmeros. "A grande vantagem do coletor é que como ele fica dentro da vagina, o sangue não tem contato com o meio ambiente, então os odores característicos da menstruação diminuem. O copinho elimina também a questão da alergia, já que muitas mulheres têm reações ao absorvente, além de ser extremamente ecológico. O copinho pode durar anos, é só observar a quantidade de absorvente que a mulher deixará de usar", pontua.

O receio de algumas mulheres em relação ao copinho que já é tão conhecido em outros países, segundo a médica, é só questão de desconhecimento. "Eu acho que ainda existe preconceito das mulheres, pouca intimidade delas com o próprio corpo. Mas o coletor funciona até mesmo como autoconhecimento e vem se difundido cada vez mais", ressalta. Nas redes sociais, inclusive, é fácil encontrar um monte de entusiastas e defensoras do copinho. Veremos se ele veio para ficar.