Fosfoetanolamina: Ministério da Saúde cria grupo de trabalho para estudar a substância

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 30/10/2015 às 13:50
fosfo - destaque FOTO:

Fosfoetanolamina é produzida pelo Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (Foto: Divulgação/USP Imagens) Fosfoetanolamina é produzida pelo Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (Foto: Divulgação/USP Imagens)

O Ministério da Saúde (MS) anunciou que vai criar, nesta sexta-feira (30), portaria para apoiar os estudos clínicos e a produção da fosfoetanolamina, que ficou conhecida popularmente como a pílula do câncer. A substância causou polêmica após ser apontada como revolucionária no tratamento de câncer, mas não conta com estudos clínicos que comprovem seus benefícios. De acordo com o documento, que determina a criação de um grupo de trabalho, o MS passará a apoiar as etapas para o desenvolvimento clínico do medicamento.

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“Estamos colocando à disposição do professor responsável pela síntese dessa molécula a possibilidade de submeter à fosfoetanolamina a todos os protocolos para verificar se a substância é ou não eficaz e por fim a essa celeuma. Por isso, a recomendação do Ministério da Saúde é que as pessoas não façam uso dessa substância até que os estudos sejam concluídos”, orienta o ministro da Saúde, Marcelo Costa e Castro.

O grupo contará com o apoio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para orientar os pesquisadores na elaboração dos protocolos clínicos e documentações necessárias e deverá contar com o apoio do Instituto Nacional do Câncer (Inca) para a realização de estudos clínicos e também da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para isso, será elaborado um plano de trabalho que prevê desde a caracterização da molécula, passando pelo desenvolvimento da formulação, produção de lotes de medicamentos experimentais seguindo as Boas Práticas de Fabricação (BPF) da Anvisa e realização de estudos pré-clínicos, ensaios clínicos e estudos de farmacovigilância.

“A grande preocupação do Ministério da Saúde é que as pessoas deixem de realizar o tratamento adequado e que tem sua eficácia comprovado e passem a usar um medicamento que não tem cientificamente uma comprovação de benefícios e efetividade comprovada”, alerta Marcelo Costa e Castro.

De acordo com a portaria, o grupo de trabalho será composto por representantes do MS e da Anvisa. A coordenação da iniciativa será de responsabilidade de um representante da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.

A previsão é de que o grupo tenha um prazo máximo de 60 dias para apresentar o plano de trabalho das fases de desenvolvimento do projeto. Os nomes dos integrantes do grupo devem ser indicados nos próximos dias.

Entenda o caso

A fosfoetanolamina começou a atrair a atenção dos brasileiros neste mês de outubro, especialmente daqueles que convivem com algum tipo de câncer. O interesse em conhecer o composto despontou depois que pacientes entraram na justiça para conseguir cápsulas da fosfoetanolamina, produzida pelo Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC/USP) e anunciada como cura para diversos tipos de tumores.

Cápsulas de fosfoetanolamina (Foto: Reprodução do Youtube) Cápsulas de fosfoetanolamina (Foto: Reprodução do Youtube)

A questão é que a substância, estudada desde o início da década de 1990, não é considerada medicamento, segundo comunicado divulgado nesta semana pela própria universidade. “Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença”, afirma a instituição, em nota. A USP também deixa claro que não desenvolveu estudos clínicos controlados em humanos.

De fato, não há registro e autorização de uso da fosfoetanolamina pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A farmacêutica Maíra Pitta, uma das líderes do Núcleo de Pesquisa em Inovação Terapêutica (Nupit) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), informa que essa molécula foi testada, in vitro, no banco de linhagem de células tumorais da instituição que segue padrões americanos. "Percebemos que, sozinha, a molécula tem boa atividade para matar as células tumorais in vitro”, diz Maíra.

Ela frisa que, antes de ser usada por humanos, qualquer substância precisa passar por ensaios clínicos capazes de avaliar a segurança e a toxicidade, o que ainda não aconteceu com a fosfoetanolamina.

Também líder do Nupit, o professor do departamento de bioquímica da UFPE Moacyr Rêgo explica que a avaliação da toxicidade da molécula é necessária porque a substância também pode ser capaz de danificar células saudáveis, também presentes em pessoas com câncer. “Há casos em que ficamos esperançosos durante um estudo in vitro, realizado em laboratórios. Quando a pesquisa passa a ser feita com humanos, a realidade pode mudar se a substância não apresentar o resultado esperado.”

Moacyr acrescenta que entende a expectativa das pessoas com câncer e seus familiares diante das notícias sobre a fosfoetanolamina. “Mas não podemos incentivar a administração de substâncias sem segurança e eficácia comprovadas. Há casos em que um composto pode oferecer efeito a curto prazo e não ser bom a longo prazo. Por isso, os ensaios clínicos são importantes”, conclui Moacyr.