Cafeína: remédio ou veneno?

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 21/07/2015 às 13:26
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Testes mostraram que a concentração da cafeína encontrada na corrente sanguínea dos animais era equivalente à de um humano adulto que consome entre duas e três xícaras de café por dia (Foto: Free Images) Testes mostraram que a concentração da cafeína encontrada na corrente sanguínea dos animais era equivalente à de um humano adulto que consome entre duas e três xícaras de café por dia (Foto: Free Images)

Da Agência Fapesp

A diferença entre o remédio e o veneno muitas vezes está na dose, diz o ditado. No caso da cafeína, pode estar também na idade de quem a consome. Enquanto em adultos a substância parece proteger o cérebro de danos causados pelo estresse que podem desencadear quadros depressivos, na vida intrauterina pode atrapalhar o desenvolvimento cerebral e representar um fator de risco para doenças como epilepsia.

As conclusões são de estudos feitos com camundongos e apresentados durante a 9ª edição do Congresso Mundial do Cérebro (Ibro 2015), realizado no Rio de Janeiro, de 7 a 11 de julho. A pesquisa, coordenada há cerca de 15 anos por Rodrigo Cunha, da Universidade de Coimbra, em Portugal, tem como objetivo investigar em que medida a cafeína pode prevenir o desenvolvimento de depressão, doença que afeta cerca de 15% da população e representa a primeira causa de incapacitação segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O grupo, que envolve colaboradores da Alemanha, Estados Unidos e Brasil, sujeitou ao longo de três semanas dois grupos de camundongos a situações de estresse crônico e imprevisível. Um dos grupos começou a receber duas semanas antes do experimento cafeína na água de beber. Testes mostraram que a concentração da substância encontrada na corrente sanguínea dos animais era equivalente à de um humano adulto que consome entre duas e três xícaras de café por dia.

“Tentamos reproduzir no modelo animal aquilo que todos nós humanos sentimos naquele momento da vida em que tudo vai mal. O carro quebra, perde-se o emprego, termina-se um relacionamento amoroso, descobre-se que um amigo tem câncer. Tudo é uma desgraça e, muitas vezes, esse conjunto de situações dá origem a um quadro depressivo”, contou Cunha, em entrevista à Agência Fapesp.

No modelo animal, o estresse era induzido por situações como agitar a caixa onde estavam os camundongos durante alguns segundos, privá-los de comida temporariamente, dar banhos de água fria ou pequenos choques nas patas. Uma série de testes bioquímicos, neuroquímicos, eletrofisiológicos e comportamentais foi feita após o período do experimento para avaliar fatores indicativos de depressão nos dois grupos.

“Como o animal não pode dizer se está ou não deprimido, avaliamos seu comportamento com uma série de testes já bem padronizados”, disse Cunha. Um dos testes consiste em colocar o animal em uma situação de nado forçado por alguns minutos. Em condições normais, o roedor tenta escapar a todo custo. Um camundongo deprimido, porém, costuma desistir rapidamente e começa a boiar. “É como se ele esperasse que a vida resolvesse seu problema”, comentou Cunha.

Roedores deprimidos também demonstram menos interesse em se esforçar para alcançar uma bebida açucarada (perda de prazer ou anedônia), déficit de memória e tornam-se mais retraídos em momentos de interação social. Também foi medido o nível de corticosteroide – o equivalente em animais ao cortisol, o hormônio do estresse – de algumas proteínas que costumam estar alteradas em quadros depressivos e o fluxo de informações em determinados circuitos neuronais.

“Observamos que a informação continua fluindo normalmente, o que muda na depressão é o sentido que se dá à informação que chega. A capacidade de se adaptar rapidamente em função de pistas externas parece perdida nos animais deprimidos”, explicou Cunha.

Com base nos resultados dos testes, os pesquisadores concluíram que o grupo tratado com cafeína apresentou uma quantidade significativamente menor de sintomas depressivos em relação ao controle.

Os resultados mais recentes da pesquisa foram divulgados, em maio, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Na avaliação de Cunha, os achados corroboram o que já havia sido demonstrado em estudos epidemiológicos com humanos.

“Um deles acompanhou, ao longo de vários anos, mais de 50 mil enfermeiras no Havaí, uma ilha onde todos têm estilo de vida e alimentação muito semelhante. Concluiu-se que aquelas que consumiam cafeína apresentaram menor necessidade de ajuda do ponto de vista psiquiátrico”, informou Cunha.

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