Novos pediatras: estão em formação médicos que falam a língua das crianças e das mães

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 21/06/2015 às 7:00
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Imip já oferece residência de pediatria com três anos. O residente Arino já segue o novo currículo, sob o olhar dos seus preceptores, como o pediatra João Guilherme Alves (Foto: André Nery/JC Imagem) Imip já oferece residência de pediatria com duração de três anos. O residente Arino Neto (à esq.) já segue o novo currículo, sob o olhar dos seus preceptores, como o pediatra João Guilherme Alves (Foto: André Nery/JC Imagem)

A pediatria estava mesmo precisando de um novo ar para voltar a conquistar a garotada cheia de energia que invade os consultórios - e também para reconquistar as mães, que vivem a colecionar dúvidas de tantas informações divergentes que encontram ao fuçar as redes sociais e o tão afamado Dr. Google. Queremos pediatras que sejam também médicos da família (afinal, para cuidar da criança, ele precisa entender a dinâmica familiar) e que não se aborreçam pelo simples fato de nós, mães, desejarmos criar uma relação de confiança com eles. É óbvio: o número do celular deles está entre os primeiros da lista de emergência.

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Toda essa mudança de comportamento na sociedade (e, claro, várias mudanças no padrão da saúde) levou a comunidade pediátrica a ter um olhar mais apurado para a infância e a resgatar a importância da especialidade. Para dar conta das novas demandas da pediatria em todo o mundo, foi preciso reformular o currículo para formação dos novos médicos que têm a missão de cuidar das nossas crianças. Foi ampliado o tempo de formação de dois para três anos, com atualização do conteúdo de acordo com as novas descobertas científicas e as mudanças ocorridas na sociedade.

Em 2014, cinco serviços já começaram a implantar o novo currículo: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Hospital Pequeno Príncipe (Curitiba/PR), Hospital dos Servidores (Rio de Janeiro/RJ) e Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip/PE). Até 2017, todos os outros programas de residência de pediatria do Brasil deverão seguir o novo currículo, elaborado pelo Consórcio Global de Educação Pediátrica (GPEC, sigla em inglês), aliança formada por instituições que representam mais de 50 países, como China, Japão, Estados Unidos e Alemanha, além do Brasil.

Diante desse cenário da nova formação, uma boa notícia: aumentou o interesse dos médicos em fazer pediatria, depois de a especialidade passar aproximadamente uma década no esquecimento. Talvez os estudantes de medicina estivessem pouco interessados em seguir uma residência com conteúdos pouco compatíveis (ou ultrapassados) com a infância da atualidade.

“Em Pernambuco, para a residência de pediatria, a concorrência é de oito candidatos por vaga. Em 2011, essa relação era de três para uma. Isso mostra o resgate da nossa especialidade e o interesse por parte dos recém-formados”, diz Eduardo Jorge da Fonseca Lima, coordenador-geral das residências do Imip.

"Devemos estar preparados para lidar com temas que tomam conta atualmente dos consultórios, como hiperatividade, autismo e bullying", diz Eduardo Jorge (Foto: André Nery/JC Imagem) "Devemos estar preparados para lidar com temas que tomam conta atualmente dos consultórios, como hiperatividade, autismo e bullying", diz Eduardo Jorge (Foto: André Nery/JC Imagem)

Aos 51 anos, Eduardo Jorge reconhece que a pediatria tem novos caminhos a percorrer, o que exige do médico reciclagem constante. “Precisamos desenvolver novas competências para lidar com configurações familiares modernas e aspectos sociocomportamentais apresentados pelas crianças de hoje. Devemos estar preparados, por exemplo, para lidar com temas que têm invadido consultórios, como hiperatividade, autismo e bullying.”

Pois é, quem quiser abraçar pra valer a pediatra precisa desenvolver aptidões e seguir comportamentos necessários a um médico que tem a incumbência de mirar o futuro (digamos, a velhice) enquanto cuida dos primeiros anos de vida. Vencida a fase crítica da mortalidade infantil (há cinco décadas, num universo de cada 10 crianças nascidas vivas, uma não fazia nem o primeiro aniversário), os pediatras agora alinham um discurso com as mães para que sejam adotadas estratégias capazes de criar hábitos saudáveis, nos primeiros anos de vida, que se perpetuem até o envelhecimento.

Sabe por quê? Aquelas doenças crônicas (diabetes e hipertensão, apenas para citar algumas) têm origem na infância. É fundamental começar um trabalho preventivo precocemente mesmo.

(Editoria de Artes/JC) (Editoria de Artes/JC)

E mais: como os primeiros anos de vida são essenciais para o fornecimento de estímulos, a sociabilização e o desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas, o pediatra em formação tem que mergulhar no campo da saúde mental. O novo currículo também destina uma carga horária bem maior ao estudo da adolescência (sim, a faixa etária dos 0 ao 20 anos incompletos é de responsabilidade da pediatria) e da neonatologia.

Que essas conquistas tenham realmente impacto nas políticas públicas e que o olhar mais apurado dado a crianças e adolescentes seja capaz de construir um adulto e um idoso mais saudável e feliz.