Os mil dias mais valiosos da vida de uma criança merecem muito apreço

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 31/01/2015 às 7:00
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Homero Rabelo Pena é pediatra e médico nutrólogo (Foto: Divulgação) Homero Rabelo Pena é pediatra e médico nutrólogo (Foto: Divulgação)

Pediatra e médico nutrólogo, Homero Rabelo Pena conversou com o Casa Saudável sobre a preciosidade dos primeiros mil dias de vida (280 dias de gravidez mais 720 dias de vida) e como esse período pode influenciar o desenvolvimento do bebê e, consequentemente, determinar a saúde física e mental com o passar dos anos, inclusive na fase adulta. Mestre em saúde da criança e do adolescente pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele explica nesta entrevista como os eventos saudáveis que ocorrem durante os primeiros mil dias podem ser determinantes para mantermos a boa saúde ao longo da vida.

- Por que a gravidez e os primeiros dois anos de uma criança são fundamentais para determinar a saúde física e mental para a vida toda?

Os primeiros mil dias (da concepção do feto até os dois anos) representam o principal período do desenvolvimento humano, pois todos os eventos saudáveis que ocorrem nesse período serão determinantes para a boa saúde ao longo de toda a vida. Por outro lado, as ações negativas que acontecem nos primeiros mil dias também trazem um impacto negativo na infância e também na idade adulta. Esse novo conceito, chamado de programação metabólica, é relativamente novo em nosso meio e tem adquirido importância nos consultórios pediátricos. Estudos observacionais demonstraram, por exemplo, que os bebês nascidos com baixo peso (abaixo de 2,5 kg) tinham um maior risco de eventos futuros como obesidade e diabetes. Assim, um problema ocorrido ainda durante a gestação, como nascer com baixo peso, seria capaz de alterar a expressão de vários genes relacionados à obesidade e/ou a diabetes.

- Que atitudes têm efeito protetor nos primeiros mil dias?

Boas ações ocorridas nos primeiros dois anos de vida, como aleitamento materno exclusivo por 6 meses, trariam um efeito protetor para as crianças. Para cada mês mamado exclusivamente ao seio, há uma queda de 4% no risco de obesidade futura. Sabe-se também que o consumo de alimentos e suplementos ricos em ômega-3 e vitamina D na gestação e no período de lactação, traz forte impacto no desenvolvimento cognitivo (inteligência) dos bebês, bem como um adequado desenvolvimento ósseo. Dessa maneira, vale a pena frisar que não adianta nascer com “bons genes” se o ambiente (durante a gestação ou nos primeiros dois anos de vida) for desfavorável ou se boas ações deixarem de ocorrer. Nossos genes são ligados ou desligados facilmente diante de estímulos ambientais e, assim, determinantes no processo saúde-doença.

- A alimentação que a mulher adota nos nove meses de gestação ajuda a determinar o paladar do bebê?

Sim. O feto, dotado de receptores de olfato e paladar, bebe o líquido amniótico. Assim, o aroma dos alimentos consumidos durante a gestação fica guardados em sua memória. Estudos têm mostrado que os bebês, em fases posteriores na vida, tendem a reproduzir as condutas alimentares adotadas pela durante a gravidez e o período de amamentação. Dessa maneira, uma dieta rica em vegetais, frutas, carnes brancas e carboidratos complexos promove uma excelente programação metabólica fetal e traz impactos futuros sobre as escolhas desses mesmos alimentos pela criança. Lógico que, por ser determinada por fatores psicobiológicos, a prática alimentar sofrerá outras influências ao longo da vida do ser humano, mas já é bastante significativo que o feto armazene as boas lembranças vividas durante a sua vida intrauterina.

ja_bebê Para um bebê se desenvolver de forma saudável e manter o bem-estar por décadas, são necessárias medidas simples que precisam ser adotadas até mesmo antes dele ser concebido (Foto: Arquivo pessoal/Cinthya Leite)

- Que benefícios o aleitamento materno exclusivo por 6 meses oferece ao bebê a longo prazo?

Entre os maiores impactos orgânicos que o aleitamento materno exclusivo pode trazer para as crianças, está uma redução da obesidade futura e, consequentemente, de todas as suas complicações, como diabetes, hipertensão, alterações do colesterol, infarto e acidente vascular cerebral. Entre outros motivos, destacam-se as propriedades que existem apenas no leite humano: menor teor de proteína, melhor qualidade da gordura, rica em ômega-3, e menor quantidade de sódio. Vale frisar que um maior consumo de proteína nesse período está associado a um ganho de peso muito rápido. Não vale esquecer a importância do aleitamento materno para o fortalecimento do vínculo afetivo mãe-filho.

- É verdade que o desenvolvimento psicoafetivo se inicia na fase intrauterina? O feto sente realmente tudo o que a mãe sente? Como isso pode impactar no desenvolvimento?

O feto escuta as vozes da mãe e do pai, além de outros sons, em maior ou menor intensidade. Podemos afirmar que a vida psíquica de uma criança é uma continuidade da sua vida intrauterina. Como o feto pode captar emoções externas, os sentimentos negativos, a ansiedade e a angústia materna podem impactar negativamente no desenvolvimento físico e psíquico.