Neste Dia Mundial da Saúde Mental, vale derrubar mitos em torno do assunto

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 10/10/2011 às 0:05

Neste Dia Mundial da Saúde Mental (10/10), acredito ser interessante compartilhar com vocês matéria que fiz sobre o assunto e já publicada no Jornal do Commercio, no dia 26 de julho de 2011.

Tratamento sim, preconceito não

O tema ainda é tratado com reservas por parte da sociedade, mas ninguém está imune a sofrer de um problema desses

Cinthya Leite

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Não faz muito tempo que uma jovem de 28 anos passou a perceber que havia algo de errado com ela porque tinha uma sensação de angústia que parecia não cessar e que atrapalhava a qualidade de vida. Pessoa instruída, ela já havia lido muito sobre saúde mental e não hesitou em procurar um psiquiatra.

Pegou o telefone às escondidas para marcar consulta com um especialista em transtornos de ansiedade. Parecia que estava fazendo algo errado. Mas só queria o braço direito de um expert capaz de diagnosticar e indicar uma terapêutica para manter sob controle as sensações físicas e os pensamentos incômodos recorrentes.

Afinal, se o nosso coração e outros órgãos adoecem, por que a nossa mente também não tem o direito de adoecer?

Essa pergunta e todo o enredo da jovem servem para ilustrar a dificuldade que muitas pessoas têm para perceber quando a saúde mental está desprovida de harmonia. E mesmo quando percebem que possuem algum desequilíbrio, acham estranho procurar ajuda de um psiquiatra e de umpsicoterapeuta.

Esse comportamento reflete o que os pesquisadores da área chamam de estigma. Em psiquiatria, os termos estigma e estigmatização associados a distúrbios mentais significam que as pessoas com os transtornos são identificadas com características ou comportamentos que geram preconceito e atitudes negativas, que não se justificam, em relação a elas.

"Embora a imprensa tenha divulgado frequentemente os possíveis benefícios dos tratamentos psiquiátricos para os mais diversos transtornos, observamos que muitas pessoas ainda associam erroneamente a psiquiatria à loucura", acredita o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor na sua especialidade e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

De qualquer maneira, ele percebe que jovens de 20 a 40 anos chegam ao psiquiatra sem tanta carga de preconceito. E explica por que pensa assim: "É uma geração que se informa sobre depressão, transtorno bipolar e transtornos de ansiedade, entre outros. São pessoas que acompanham evolução dos tratamentos farmacológicos e psicoterápicos".

Desse grupo, faz parte o jornalista Rodrigo Pires, 35 anos, que decidiu procurar ajuda de uma profissional para descobrir problemas que ele mesmo desconhecia.

"Fui a uma psiquiatra para cavar mais o poço e levantar o tapete. Optei por uma especialista em saúde mental com experiência em homeopatia", relata Rodrigo, que respondeu bem à terapêutica e hoje se diz uma pessoa que, por reconhecer e admitir mais facilmente os seus problemas, consegue lidar melhor com o mundo.

Quando questionado por que algumas pessoas com distúrbios psiquiátricos evitam procurar orientação, Rodrigo responde: "Muita gente tem medo de se expor e de falar coisas íntimas para terceiros". Nesse sentido, é importante frisar que psiquiatras e psicoterapeutas são profissionais que não são formados para fazer julgamentos. São experts que ensinam os pacientes a lidar com angústias, medos e verdades.

De vez em quando, a forma com que os psiquiatras recebem os pacientes podem assustar ou causar estranhamento. Quando se vai a um endocrinologista, por exemplo, as pessoas aguardam numa área em comum, perto da recepção. Em saúde mental, contudo, algumas correntes fazem questão de fazer marcações de maneira que ninguém veja ninguém na sala de espera. Há uma porta de entrada e outra de saída para quem é atendido.

"Nesse contexto, a ideia é que um paciente não encontre com o outro e, dessa maneira, a intimidade passa a ser preservada. Normalmente, é um cuidado adotado por algumas linhas das psicoterapias e da psicanálise", explica a psiquiatra Rosa Magaly Morais, especialista em infância e adolescência do ambulatório de ansiedade do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Em São Paulo, Rosa percebe que o uso de duas portas (uma para entrar no consultório e outra para sair) está em extinção. E Amaury Cantilino concorda: "Para os pacientes que se incomodam em ser vistos num psiquiatra, muitos profissionais adotam essa estratégia. Mas percebo que é uma preocupação que tem diminuído, especialmente quando nos referimos aos psiquiatras mais jovens".

Ou seja, os especialistas envolvidos com saúde mental não abrem mão de uma reciclagem que acompanha o processo de quebra de estigmas.

ASSÉDIO MORAL - Recentemente, a Universidade de Brasília (UNB) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) conduziram um estudo que mostra como o número de trabalhadores com problemas mentais tem aumentado nos últimos anos.

Esse cenário pode ser explicado por dois motivos: ou houve uma melhoria no diagnóstico por causa de um acesso mais fácil aos psiquiatras, ou tem sido mais intensa a responsabilidade profissional sentida pelas pessoas. A mescla de ambas as hipóteses também deve ser considerada.

A questão é que trabalhadores com transtornos mentais enfrentam dramas que impactam a produtividade e a qualidade de vida. Vamos entender o motivo desse sofrimento: há quem omita o distúrbio por temer preconceito e julgamento. Do outro lado, também existem aqueles indivíduos que, ao informarem que convivem com problemas de saúde mental, são censurados e vistos como frágeis.

Essa visão é totalmente equivocada. Afinal, portadores de distúrbios mentais de todos os tipos podem (e devem) trabalhar, casar e ter vida social quando passam a ter o transtorno sob controle.

Dessa maneira, a população não deve alimentar o assédio moral no ambiente de trabalho, nem nos núcleos social e familiar. Pessoas com problemas de saúde mental estão entre nós, assim como aquelas que têm hipertensão, diabete ou qualquer outra doença. Acabar com a visão estereotipada é um desafio, mas não é uma tarefa impossível.