"Doentes não devem ser tratados como os doentes do quarto 12, 28, 92"

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 11/08/2011 às 23:33

*Este artigo é assinado por Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

Virou notícia, dias atrás, o fato de o Conselho Federal de Medicina (CFM) criar três novas áreas de atuação: ou seja, três novos ramos de especialidades médicas.

Pela resolução 1973/2011, a medicina do sono, a tropical e a paliativa passam, inclusive, a merecer espaço especial na residência médica, com treinamento específico e complementar.

Sem dúvida, trata-se de avanço importante para a efetividade da medicina e particularmente para a assistência de qualidade aos pacientes.

No caso da medicina paliativa, damos um passo essencial para humanizar o atendimento, com olhos voltados ao doente, ao indivíduo, e não apenas às doenças, como o fazem erroneamente alguns pseudodoutores.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que 65% dos portadores de doenças crônicas que ameaçam a vida necessitam de cuidados paliativos. Lamentavelmente, ainda hoje no Brasil, essas pessoas com patologias graves, sem perspectiva de sobrevivência, são duplamente castigadas.

Primeiro não têm o que fazer contra a doença. Depois, são praticamente condenadas a um triste fim, já que geralmente não há infraestrutura para atendê-los. Muitos planos de saúde adotam um comportamento antiético e as tiram dos hospitais, pois representam custos para eles.

Outro problema grave é que várias instituições públicas não aceitam dar acompanhamento a esse paciente. Enfim, é a total falta de respeito e humanidade. É obrigação do estado (e uma questão de respeito à cidadania) oferecer cuidado digno a esses pacientes, dar a eles todo o suporte psicológico, espiritual e emocional, assim como a seus familiares, como também garantir assistência médica e nutricional de excelência, para que desfrutem de uma sobrevida de qualidade.

Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, esse é um trabalho antigo (e pioneiro) realizado pelo Ambulatório de Cuidados Paliativos, da disciplina de clínica médica. Vivemos tempos de relevantes avanços tecnológicos, mas nada substitui o tratamento humanizado, o médico que tem nome e rosto, que conhece o nome e o rosto do paciente.

Não podemos aceitar que doentes sejam tratados como os doentes do quarto 12, 28, 92. Seguindo essa linha de pensamento, vemos com grande satisfação a Resolução do Conselho Federal de Medicina, pois cria condições objetivas para a formação de médicos com uma visão integral do paciente e da prática médica.

Entretanto, muito ainda temos de caminhar. Que a trilha aberta pelo CFM estimule o governo e suas estratégias de saúde. É urgente uma política de Estado para o atendimento humanizado a esse grupo de pacientes. É mister criar centros regionalizados de cuidados paliativos que funcionem também como hospital-dia.

Dessa maneira, garantiremos que o paciente que não necessita de internação seja atendido em suas demandas, inclusive liberando leitos para outros. Ele poderá fazer exames, curativos e receber cuidados gerais. Ou seja, receber um tratamento adequado e competente.