A farmácia sempre deve estar a serviço da população

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 27/01/2011 às 0:45

Já parou para pensar quantas atribuições cabem aos farmacêuticos? Acredite: são profissionais que contam com mais de 60 áreas de atuação. Seja em drogarias, farmácias de manipulação ou indústria de alimentos, esses especialistas fazem um trabalho importante que tem como objetivo a promoção da saúde da população.

Para que possamos conhecer mais o papel desses profissionais diante do nosso bem-estar, o Casa Saudável conversou com o farmacêutico e professor Leandro Medeiros (@PharmD_Leandro), que é mestrando em inovação terapêutica e coordenador do programa Nutrição Magistral, da Farmácia Roval em parceria com o Conselho Regional de Nutricionistas - 6ª Região.

Confira os destaques desta entrevista com Leandro Medeiros e saiba detalhes sobre medicamentos manipulados, automedicação, bem-estar, qualidade de vida e uso racional de fármacos, além de várias outras curiosidades.

- Em linhas gerais, qual o papel do farmacêutico?

A principal de todas as nossas funções é a que possui maior impacto na saúde das pessoas: promover o uso racional de medicamentos. Todo o processo do medicamento, da pesquisa e desenvolvimento à utilização pela população, chamada de assistência farmacêutica, está sob responsabilidade do farmacêutico. Nós devemos atuar para que os medicamentos sejam utilizados da forma correta, pois a meta maior é contribuir com a saúde das pessoas. Poeticamente, Monteiro Lobato dizia que o farmacêutico é o “órgão de ligação entre a medicina e a humanidade sofredora (...); o lema do farmacêutico é o mesmo do soldado: servir”.

- Como é a postura do farmacêutico diante do uso irracional de medicamentos?

Existem vários pontos relevantes sobre isso, como o uso de medicamentos sem prescrição e/ou orientação médico-farmacêutica de forma indiscriminada. Há diversos aspectos que podem determinar o sucesso terapêutico e que devem ser respeitados. Entre eles, horário, interação de medicamentos com alimentos ou outros remédios, integridade de órgãos (fígado, rins, estômago, intestino, pele), idade e conservação adequada, além de outros aspectos. E o segredo para que possamos contribuir com isso está no atendimento pelo farmacêutico. Assim, podemos orientar o paciente sobre essas questões importantes ao dispensar um medicamento e esclarecer dúvidas, que são muito frequentes.

- Como você vê a automedicação?

Atualmente, quando surge algum tipo de sintoma, as pessoas tomam remédios para fazer sumi-lo, pois o sintoma incomoda. Porém, é preciso ter consciência de que isso se trata de uma sinalização do corpo informando que algo está errado. Fazer sumir o sintoma não significa ter saúde. Aliás, essa associação é muito perigosa. Uma simples dor de cabeça pode ser o sintoma de um problema ocular, intoxicação, enxaqueca e até mesmo infecções. Mas o habitual, nesses casos, é tomar um analgésico de forma crônica. E é uma atitude errada. Se há uma causa para o sintoma, esta deve ser a razão do tratamento, não o sintoma em si. E o uso crônico de analgésicos pode trazer problemas graves ao trato digestivo, como úlceras e hemorragias gástricas, hepatite e pancreatite medicamentosas. Por isso, é importante que a população procure o médico para uma investigação criteriosa em caso de sintomas relevantes e, assim, obter o tratamento correto.

- Qual a diferença entre o medicamento manipulado e o medicamento "já pronto"?

Aqueles produzidos pela indústria são feitos em larga escala e são distribuídos para as drogarias comercializarem. O medicamento manipulado em farmácias é feito sob medida para solucionar as necessidades do paciente e deve ser prescrito por um médico, nutricionista ou cirurgião-dentista. Dessa forma, podemos adaptar dosagens, quantidades e até mesmo remover alguns excipientes da formulação, como lactose e corantes. Ou seja, o medicamento é adaptado ao paciente - e esse processo segue rigores técnicos e científicos da mesma forma que o medicamento industrializado e, na maioria das vezes, com custo mais acessível.

- Que tipo de medicamentos podem ser manipulados?

Com o crescimento do mercado de insumos farmacêuticos, atualmente as farmácias de manipulação têm a capacidade de produzir quase todas as classes de medicamentos disponíveis, como os de uso dermatológicos, cardiovasculares, ginecológicos, urológicos e endócrinos. A farmácia tem permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para manipular qualquer produto farmacêutico, desde que se obedeçam às normas sanitárias nacionais.

- Como o farmacêutico pode ajudar outros especialistas a orientarem seus pacientes diante da automedicação?

Todos os profissionais devem ter um mesmo discurso: automedicar-se não é um bom remédio. Cada um deve fazer a sua parte e informar sobre os riscos a cada paciente, de forma incansável. Se todos informarem frequentemente nessa mesma linguagem, creio que chegaremos um dia a um estágio de conscientização bastante significativo. Mas estamos muito longe disso: dados da Organização Mundial de Saúde mostram que o Brasil é um dos países campeões em automedicação. E os gastos públicos com problemas relacionados aos medicamentos, como intoxicações, são bem expressivos, na faixa de 7% a 10% dos gastos com saúde. Além disso, o governo precisa criar campanhas nesse sentido e promover comunicação em massa. Trata-se de um assunto de interesse público tão sério que existem linhas de pesquisa acadêmica sobre o tema.

- Você acredita que as atividades farmacêuticas têm um enfoque mercantilista?

As farmácias do setor privado são um estabelecimento comercial que proveem de serviços avançados de saúde. Óbvio que, para a existência e perpetuação delas, deve haver o fator vendas. Porém, se não houver um equilíbrio entre ambas as partes, dificilmente perdurará, pois o cliente-paciente busca na farmácia um centro de saúde, de informação e orientação farmacêutica. É muito mais do que um local de venda de medicamentos. Hoje, a tendência de mercado volta-se para uma farmácia ativa, com a comunidade em sua volta, promovendo serviços como aferição de pressão, medição de taxas de glicose e colesterol, além de orientação farmacêutica. Penso que farmácia focada apenas no aspecto mercantilista não pode ser considerada farmácia, pois não o é em essência. Acredito que existam algumas nessa linha, como em qualquer outro segmento do mercado. Porém, é um erro empresarial, profissional e ético.

- Quem pode ter uma farmácia?

Em alguns países do mundo, para se abrir uma farmácia, é preciso ser farmacêutico. E nesses casos, não por coincidência, os índices de automedicação são considerados baixos. Essa realidade não se aplica ao Brasil, embora seja obrigatória a presença do farmacêutico para gerenciar as funções do estabelecimento. Aliás, para abrir uma clínica, não precisa ser médico. Basta que haja profissionais legalmente habilitados para exercer a função. Penso que farmácia que foca apenas o aspecto mercantilista, não pode ser considerada farmácia, pois não o é em sua essência. Acredito que existam sim algumas desta forma, como em qualquer outro segmento do mercado. Porém, é um erro empresarial, profissional e ético vê-la desta forma.

- Como deve ser a presença do farmacêutico nas farmácias? Sempre tem que existir um dentro desses estabelecimentos?

Sempre que me perguntam sobre isso. Costumo responder brincando: "Já pensou um avião sem piloto, um hospital sem médico ou um tribunal sem juiz? Não faz sentido ter uma farmácia sem a presença do farmacêutico." Desde 1973, é obrigatória a presença do farmacêutico durante todo o funcionamento do estabelecimento em questão. Caso a população perceba ausência, é preciso comunicar ao Conselho Regional de Farmácia, que tomará providências cabíveis.

- Você vê a população ter em mente que o medicamento é uma solução mágica para várias epidemias atuais, como obesidade, hipertensão e diabete?

Parte da população pensa desta forma. Mas qualquer discussão sobre medicamentos com soluções mágicas não deve ser levada a sério. Isso não existe. Por exemplo, medicamentos para emagrecer devem ser utilizados somente se o paciente atender aos critérios para sobrepeso com doença associada, como problema cardiovascular, e obesidade. Mas existem muitas pessoas tomando esse tipo de fármaco por conta própria, para usar o vestido da formatura ou do casamento ou entrar no verão com um corpo mais magro. Não há, inclusive, estética sem saúde. Ou seja, para emagrecer, a pessoa deve primeiro ter consciência de que precisa gastar mais calorias do que consumir, entrando num plano adequado de dieta e exercícios, através de médicos, nutricionistas e educadores físicos. E por vezes, apenas essa combinação já seria o suficiente para obter as metas de redução de peso. O problema, na maioria das vezes, é ter essa consciência e colocá-la em prática. Mas como a busca pelo resultado é encarada com urgência e pouca paciência, as condutas saudáveis são desrespeitadas em troca de terapia com medicamentos para acelerar os resultados. Sobre isso, percebo que um dos principais problemas é a propaganda de medicamentos à população em geral. Quanto mais propaganda, maior o consumo. Essa lógica se aplica a qualquer produto, inclusive remédios. Como farmacêutico, penso que deveriam ser proibidas na mídia, para que, por uma outra via, incentive-se o uso racional de medicamentos. Estamos falando de saúde.

- Percebe a banalização do uso de medicamentos nos dias de hoje?

Infelizmente sim. Mas acredito que, em alguns anos, poderemos reverter esse panorama com medidas sanitárias mais rigorosas por parte do governo. Nós, profissionais, devemos continuar fazendo nossa parte incansavelmente: orientar cada vez mais.